Apelação Cível Nº 5001641-57.2020.8.21.0007/RS
Entenda como as concessionárias de energia elétrica podem ser responsabilizadas por falhas no fornecimento de energia e os impactos disso em casos envolvendo pequenos produtores rurais.
A responsabilidade civil das concessionárias de energia elétrica é um tema recorrente no Judiciário brasileiro, especialmente quando falhas no fornecimento resultam em danos materiais significativos para os consumidores. Neste artigo, analisamos um caso recente em que um produtor rural moveu uma ação indenizatória contra uma concessionária de energia elétrica estadual devido a interrupções no fornecimento de energia que prejudicaram sua produção de fumo.
A ação foi inicialmente julgada desfavorável ao produtor, mas o recurso de apelação levantou questões importantes sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e os critérios para a responsabilização objetiva das concessionárias.
O caso começou com um produtor rural que alegou ter sofrido danos materiais devido às frequentes interrupções no fornecimento de energia elétrica em sua propriedade. A falta de energia prejudicou a secagem de fumo em estufas elétricas, o que comprometeu a qualidade do produto e resultou em perdas financeiras. Como pequeno produtor, ele argumentou que não tinha condições de adquirir um gerador próprio, o que aumentou sua dependência do serviço de energia.
A concessionária, em sua defesa, alegou que as interrupções foram causadas por fatores externos, como intempéries, o que configuraria força maior e, portanto, isentaria a empresa de responsabilidade.
Na primeira instância, o juiz entendeu que não havia provas suficientes para demonstrar a responsabilidade da concessionária pelos danos sofridos pelo produtor. A ação foi julgada improcedente, e o autor foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. A sentença argumentou que não havia comprovação clara do nexo de causalidade entre a falha no serviço e os prejuízos alegados.
Inconformado com a sentença, o produtor rural entrou com um recurso de apelação, sustentando que a responsabilidade da concessionária é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Ele também invocou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), argumentando que a empresa tem a obrigação de fornecer energia de forma contínua, adequada e segura. Além disso, defendeu que, como pequeno produtor rural, estava em uma posição de vulnerabilidade, o que justificaria a inversão do ônus da prova.
A concessionária, em contrapartida, manteve sua defesa de que as falhas no serviço eram alheias ao seu controle e que o produtor deveria ter um gerador para mitigar os riscos de eventuais interrupções no fornecimento de energia.
Na segunda instância, o tribunal reconheceu a responsabilidade objetiva da concessionária, com base no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, o que significa que a concessionária pode ser responsabilizada pelos danos causados, independentemente de culpa. Para isso, o tribunal afirmou que bastava demonstrar o dano, o nexo causal entre a falha no serviço e o prejuízo, e a ausência de excludentes como força maior ou caso fortuito.
O tribunal concluiu que a interrupção do fornecimento de energia durante períodos críticos para a secagem do fumo foi, de fato, uma falha na prestação de serviço por parte da concessionária. Mesmo que fatores externos contribuam para falhas, a concessionária ainda deve adotar medidas preventivas e corretivas para garantir a continuidade do serviço, especialmente em áreas rurais onde a energia elétrica é essencial para a produção agrícola.
O tribunal também deu grande peso aos laudos técnicos apresentados pelo produtor rural, que comprovaram que a perda de qualidade do fumo foi diretamente causada pela interrupção no fornecimento de energia. Esses laudos, elaborados por um profissional registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), foram considerados suficientes para demonstrar o nexo de causalidade entre a falha no serviço e os danos materiais sofridos.
A defesa da concessionária, que apresentou um laudo técnico contrário, foi refutada, uma vez que o laudo do autor foi elaborado por um profissional habilitado e não havia elementos suficientes para invalidá-lo.
A concessionária tentou se eximir de responsabilidade alegando que as interrupções no serviço foram causadas por intempéries, o que caracterizaria força maior. Contudo, o tribunal argumentou que eventos climáticos adversos são previsíveis e que a concessionária deveria estar preparada para lidar com tais situações, evitando a interrupção prolongada do serviço.
Além disso, a decisão reafirmou que não é admissível exigir que pequenos produtores rurais adquiram geradores de energia para compensar falhas no serviço de fornecimento de energia. Isso representaria uma transferência indevida de responsabilidade da concessionária para o consumidor, em contradição com as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
O tribunal também decidiu inverter os ônus sucumbenciais, condenando a concessionária ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, uma vez que a ação foi julgada procedente em segunda instância. Os honorários advocatícios foram fixados em 10% sobre o valor da condenação, conforme previsto no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
A decisão foi fundamentada em precedentes relevantes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidaram a responsabilidade objetiva das concessionárias de energia elétrica por falhas no fornecimento de energia. O STJ destaca que, devido ao alto risco da atividade de fornecimento de energia, as concessionárias são responsáveis por indenizar os danos causados aos consumidores.
O tribunal também citou decisões análogas de outros tribunais estaduais, que reafirmam a importância de garantir a continuidade e a qualidade do serviço de energia elétrica, especialmente em atividades agrícolas que dependem diretamente do fornecimento de energia.
A decisão analisada reflete a aplicação consistente dos princípios de responsabilidade civil objetiva e de proteção ao consumidor em casos de falha na prestação de serviços essenciais, como o fornecimento de energia elétrica. A decisão reafirma o dever das concessionárias de adotar medidas para garantir a continuidade do serviço e evitar prejuízos materiais aos consumidores.
Rafael Ferreira
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